quarta-feira, 7 de junho de 2006

O Manual

Um senhor meio barrigudo por volta de seus 60 anos assiste ao noticiário na tevê. Nos intervalos comerciais ele aproveita a oportunidade para esticar seu braço para fora do sofá e pegar mais um copo cheio de suco de uva. Na distância é possível ouvir algumas vozes femininas acompanhada de uma infantil.

-Vai lá com seu avô. A gente vai prepara alguma coisa pra vocês comerem. Que tal um bolo de chocolate?

Passos leves, mas rápidos podem ser ouvidos ao se aproximarem da sala de estar e de repente pequenos braços envolvem o grosso pescoço da figura amada do jovem.

-Vitor! Como vai? Senta ai e assiste ao jornal comigo.

-Você pode assistir vovô, mas eu vou brincar. – o garoto sorridente exibe uma embalagem com um brinquedo de montar novinho dentro.

-Brinquedo novo, é? – o senhor com cabelos grisalhos sorri – Tudo bem. Então senta ai perto de mim.

Enquanto "flashes" sensacionalistas de desgraças misturadas a propagandas manipulativas e cenas eufemisticas de jogadores de futebol eram exibidas para os olhos do avô, Vitor calmamente montava sua mais nova estação de bombeiros. As peças eram variadas em cor e tamanho, mas todas elas tinham sua função na hora de montar as paredes, o chão, o telhado e o carro de bombeiro. Em meio a um intenso raciocínio e concentração o garoto é interrompido por um resmungar do avô.

-Que foi vô? – o garoto intuitivamente pergunta ao ouvir o grunhido de insatisfação.

-Olha isso. Há anos que eu vejo já essa mesma cerveja sendo exibida por uma mulher bonita da mesma forma e há anos que também só vejo desgraça. Nada muda.

O garoto sem muito entender da de ombros e volta para sua complexa construção. No entanto após algum tempo ele se depara não com uma estação de bombeiros, mas uma figura estranha e disforme de um amontoado de peças coloridas.

-Vôôô – o garoto chama pela figura poderosa no sofá – Cadê minha casa de bombeiro? Isso aqui tá estranho.

O homem olha sorridente e segura o riso quando vê uma torre semelhante a um arco íris de tijolos. Para ele a construção mais parece com uma pilha de ferro velho atacado por pintores modernos e loucos com latas de tinta variadas.

-Vitor...você leu o manual?

-Ih...é esse livrinho aqui?

-É. Olha, ninguém nasce sabendo. Se você quiser montar sua estação igual à figura da caixa, você vai ter que ler esse manual e seguir os passos. Pode ser chato, mas não é difícil e você vai ver que vai ficar igual no final.

-É...acho que esqueci de ler o manual.

O avô sorri levemente e volta a assistir ao último bloco do programa de fofoca jornalística. De repente, em vez de finalizar com os gols de algum amistoso irrelevante para o convívio social, a voz do apresentador ecoa pela sala:

"Escândalo de corrupção é revelado no congresso nacional e no poder executivo. Ligações são feitas desde o presidente da república até um deputado federal. Informações confirmam que desde meados do ano passado deputados vem recebendo uma quantia pecuniária generosa para servir os interesses das forças contratantes através de votos formais. O número de envolvidos ainda não é confirmado, mas conforme ele cresce o número de supostos artigos constitucionais violados também faz o mesmo. O nosso tele-jornal voltará brevemente após o intervalo com mais notícias de plantão."

O silêncio permeia a sala. Enquanto o senhor exala raiva através de sua respiração a criança transparece confusão e perplexidade. Ela decide falar:

-Vô. O que esses homens fizeram foi errado, né? – a criança tenta entender a situação melhor ao tirar sua dúvida.

-Claro. Eles fizeram muita coisa errada. Foram contra a constituição inclusive.

-Por quê?

-Acho que eles esqueceram de ler o manual.

-Nada muda, né? – a criança ainda confusa tenta entender.

-Nada.

5 comentários:

Anônimo disse...

EU adoreii o textooo muito bom

Anônimo disse...

Mandei para todos os colegas de Tribunal. Elogiaram o texto. Parabéns.

Anônimo disse...

Estava voltando de Niteroi após uma vitório do Brasil com direito a gol do "gordo", quando derrepente fui parar em São Gonçalo. Pensamentos estranhos passavam pela minha mente, quando surprendentemente surgiram dois individuos no meio da pista. A cena era assustadora já que os homens "pareciam" de outro planeta. Nesse contexto, achei que a vida acabaria em alguns segundos, então pedi que eles comentassem um texto de uma pessoa "muito" especial e que "sempre" seria extremamente importandte para mim. Nesse sentido, vou transcrever algumas falas ditas por um dos seres a respeito do texto "O Manual"; "Acho que as falas dos personagens poderiam ser melhores. Algumas falas poderiam surprender mais o leitor. Além disso, a idéia do manual é boa mais poderia atrair mais o leitor. Para completar foi interessante o autor ter utilizado críticas como "cenas eufemisticas de jogadores"(magros e gordos) e "corrupção é revelada no Congresso". Para completar o quadro, não podemos esquecer que o homem era de outra dimensão, assim seus comentários não podem ser muito valorizados.

Isabella Goulart disse...

Simples, doce e sério.
Como uma fábula.
=]

Bjinhos

Anônimo disse...

dá-lhe conceitos de direito constitucional aplicados sobre a produção artistica, hahahaha

abracos