quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Jogos Independentes e seus Afluentes: Modificações

No mês passado, vimos o que são os jogos independentes. Entendemos que eles geralmente se dividem em modificações e jogos completos. Reconhecemos também que apesar de existirem semelhanças é possível traçar uma distinção entre ambos. Partindo da premissa de que muitos criadores de jogos iniciaram seus estudos a partir da modificação de outros, hoje abordaremos as modificações.

Embora não seja regra, geralmente fazer uma modificação, vulgo MOD, de um jogo é mais fácil que um jogo completo. Isso se dá porque a modificação parte de algum ponto em comum com um jogo previamente feito. Geralmente esse ponto comum é a base, ou seja, o código-fonte da programação. Significa que quem está criando a modificação não precisa se preocupar com mais um aspecto da criação de um jogo e nesse caso, um relativo à programação. Por esse mesmo motivo vários jogos aproveitam a game engine de outros jogos, mas ainda assim são considerados jogos completos. Logo a mesma engine não é o suficiente para caracterizar uma modificação.

Vide por exemplo Dark Messiah of Might and Magic (Arkane Studios). Um jogo em primeira pessoa que utiliza a mesma engine do Half-Life 2: o Source Engine. No entanto, apesar das semelhanças, o restante do conteúdo é original e entende-se que há material suficiente para criar uma distinção entre ambos, seja através de mapas, horas de jogo, ambientação, música ou texturas. A câmera de ambos os jogos é em primeira pessoa, no entanto o Dark Messiah faz uso de armas brancas, magia e combate corpo a corpo em meio a uma temática de fantasia medieval, enquanto o Half-Life 2 se foca em armas de fogo e uma ação repleta de tiroteios em uma temática de ficção científica.

A situação inversa ocorre com as modificações chamadas de “conversões totais”. Uma conversão total que, ao aproveitar a engine do jogo, se propõe a mudar a maioria dos elementos de um jogo. Uma espécie de conversão, como o nome já diz, mas que não é suficiente para ser um jogo totalmente novo. Esse é o caso de modificações que em vez de alterarem aspectos isolados de um jogo, como a velocidade de projéteis ou a aparência de um personagem, buscam alterar características de todas as armas e as aparências de todos os personagens, por exemplo. Nessa situação a engine é uma das poucas coisas em comum, além da jogabilidade, que deixará o jogador determinar se o que ele está jogando é uma modificação ou um jogo completo.

Levando em conta a vasta quantidade de modificações existentes em todo o mundo e para os mais vários jogos, uma definição mundialmente aceita de mod poderia ser: Um jogo customizado ou alterado, que pode variar em proporção parcial ou total, a fim de criar uma nova jogabilidade em torno de um jogo que servirá como fonte de inspiração ou recursos técnicos. As alterações podem variar em qualquer âmbito e quanto mais houver delas, mais próximo o Mod estará de uma conversão total.

Quanto mais se busca entender a distinção entre jogo completo e modificação é que duas coisas se revelam. Primeiro, que essa distinção não pode ser facilmente feita e segundo, que importa principalmente a sensação do jogador. Um jogador notará se a sua experiência parece estar enraizada em outro jogo. Isso se torna evidente quando uma modificação necessita do jogo completo para ser executada e especialmente quando inúmeros recursos (texturas, modelos, mapas, scripts etc) são aproveitados. No entanto, caso o jogador identifique que vários recursos são de fato originais e toda a experiência jogável se destaca de uma possível fonte, deve-se concluir que provavelmente se está lidando com um jogo completo.

Ainda assim, não é fácil traçar uma linha divisória. Como dito, torna-se necessário o discernimento de um jogador para poder opinar quanto à sensação criada pela jogabilidade. Um caso polêmico ocorre quando comparamos Eclipse com 7th Serpent. Eclipse se considera, como o próprio site diz, uma conversão total do jogo Half-Life 2 enquanto 7th Serpent se considera uma conversão total do jogo Max Payne 2. De fato, todos os dois jogos criam experiências jogáveis únicas e digo isso por experiência própria.

No entanto, cada um se destaca de uma maneira diferente e para poder identificá-los como modificações é necessário conhecer a sua fonte. Half-Life 2 pode ser resumido, como anteriormente feito, em um jogo de tiro em primeira pessoa ambientado em um universo da ficção científica. Max Payne 2 é um jogo de tiro em terceira pessoa que conta o recurso do conhecido bullet time e é ambientado em um universo típico de histórias policias “noir”. Eclipse e 7th Serpent são, respectivamente, um jogo de magia (especificamente telecinese) de terceira pessoa ambientado em um universo de fantasia medieval e um jogo de tiro de terceira pessoa ambientado em uma cidade moderna que vive uma guerra contra um agente especial. Apesar da descrição resumida de 7th Serpent soar muito parecia com o seu original, a diferença principal se dá na jogabilidade. A experiência jogável se torna quase cinematográfica através do combate contra inimigos nunca vistos antes, como tanques e helicópteros, todos em um ambiente que conforme o avanço do jogador vai sendo destruído e lembrando um filme hollywoodiano em que há mais destruição e explosões que qualquer outra coisa.

Eclipse desfruta de uma jogabilidade nova na qual o jogador controla uma garota que mata inimigos as fazer objetos como pedras e pedaços de madeira levitarem para depois arremessá-los. É possível afirmar por um lado que esse efeito é similar com o da arma gravitacional de Half-Life 2. 7th Serpent faz uso de um novo bullet time assim como de ambientes destrutíveis que são diferentes, mas ao mesmo tempo remetem a momentos do Max Payne 2.

Embora cada jogo se destaque genuinamente, nenhum deles realmente tem tempo de jogo suficiente (ou o polimento) para ser um jogo comercializado em lojas pelo mundo a fora. Isso não faz diferença, afinal são jogos independentes, mas o fato de se precisar do jogo comercializado (Max Payne 2 ou Half-Life 2) para jogá-los, nos indica na direção da modificação. É possível identificar possíveis raízes na jogabilidade, mas o melhor é poder reconhecer o conteúdo original e extremamente divertido.

A dúvida quanto à linha divisória entre jogos completos e modificações não pode ser empecilho para a imersão. Ambos esses jogos (e eu arrisco a considerá-los modificações) servem como exemplo para os jogos independentes com a sua originalidade e diversão. A resposta para dúvida virá com o discernimento do jogador enquanto testa o jogo. O principal é entender o valor da modificação. Que ela é uma ramificação do jogo comercializado e abre uma gama de possibilidades para os jogos independentes. Um dos afluentes que compõe o ramo dos jogos independentes e busca sempre melhorar a experiência de um jogo já existente.

Afinal, são jogos modificados que buscam apenas melhorar um jogo. Existe forma mais prática que torná-los mais divertidos? Os serious games que me desculpem, mas não.

· Jogos Recomendados:

o Conversões Parciais:

§ Elements of Style – MP2

§ Zombie Stress – HL2

o Conversões Totais:

§ 7th Serpent – MP2

§ Eclipse – HL2

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Indie Games #1 - Indie Games para n00bs

Eu escrevo uma coluna mensal para o site GameCultura(.com.br). Para aumentar a vida útil das matérias e permitir uma maior participação através de comentários, vou postá-las aqui todo mês. Os artigos serão sempre sobre jogos independentes, seja uma análise mais teórica ou uma recomendação de MODs divertidos. Eu sempre vou recomendar jogos que tem alguma ligação com o assunto do mês, mas sintam-se livre para comentar sem restrições e até mesmo recomendar outros jogos. ^^

Boa leitura...


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Falar sobre jogos independentes geralmente traz à mente o estereotipo do “alternativo”. Não é só com os jogos que isso acontece, mas também na musica. A “indie music”, mais conhecida pelo seu “indie rock”, é um desses exemplos. O indie rock é menos comum na rede popular e comercial da musica. Significa que ele seja alternativo? Não, geralmente apenas independente. É normal ver pessoas confundindo o independente com o alternativo, mas é porque um elemento leva ao outro que ocorre a confusão. O mesmo se dá com a veia independente dos filmes. Vejamos porque nessa breve introdução.

Se você é um fã de vídeo-game, há grandes chances de você ser um fã da conhecida “mainstream”. Em outras palavras, você provavelmente tem mais contato com a rede popular e comercial de jogos, que é a principal. Jogos como Sonic e Super Mario Bros, filhos respectivamente da Sega e da Nintendo, foram marcos para a história do vídeo-game. Cada um desses jogos, sem contar com as próprias séries que originaram, vendeu mais de quatro milhões de cópias e consagrou suas respectivas empresas. A lista de jogos de sucesso, das grandes empresas, não tem fim e abrange desde os clássicos (como Legend of Zelda, Myst e Starcraft) até feitos mais recentes (como Splinter Cell, The Sims, GTA e Halo). Todos esses sucessos faturando no mínimo um milhão de cópias vendidas e mostrando que os gigantes industriais sabem fazer bons jogos que nos agradam.

Em razão de todo esses sucesso é que as empresas, seja de qualquer mercado, continuam fazendo o que uma empresa sempre busca fazer: lucrar. Já os jogos independentes não precisam ser feitos por empresas. As equipes podem variar desde um único desenvolvedor até uma equipe de 10 amigos ou uma pequena empresa. As equipes não visam o lucro necessariamente (apesar de sempre ser bem-vindo), pois podem estar simplesmente atrás de uma experiência personalizada (como os MODs), ficar conhecidos ou produzir um portfolio para mais tarde serem empregados.

Por causa desse “descompromisso” com o lucro, os jogos independentes geralmente não têm recursos para serem exibidos nas prateleiras ao lado das novidades mais recentes da EA. Quando não são distribuídos de graça pela internet, são vendidos por um preço abaixo do padrão comercial e não contam com o apoio de uma grande distribuidora. Exatamente ai é que se dá o elemento chave dos jogos independentes: inovação. Porque os jogos independentes sabem que não têm como competir com os gigantes em termos de orçamento e produção (incluindo gráficos), eles seguem outras vias e geralmente atraem jogadores por seus elementos inovadores ou design criativo. Isso não significa que eles devem proporcionar uma experiência nunca vista antes porque podem também trazer de volta um estilo de jogo há muito tempo já esquecido. Seja porque alguém quer jogar uma nova versão de Pong (Plasma Pong) ou porque quer fazer coisas que o Gordon Freeman nunca conseguiria (Half Life 2 Substance).

O que muitos não percebem é a importância dos jogos independentes. Essa inovação ou liberdade de arriscar permite que muitos jogos independentes preparem terreno para futuros jogos comerciais. Um exemplo inegável é o do Counter-Strike, vulgo, CS. Inicialmente desenvolvido como um mod para o Half-Life, além de alavancar as vendas do jogo original, mais tarde foi comprado e ganhou edições comerciais. Hoje em dia o Counter-Strike é comercializado pela Valve, desenvolvedora do Half-Life, e atualmente já se encontra na sua versão “Source” (que acompanha a engine criada para o Half-Life 2). Se não fosse pelo CS, Half-Life deixaria de ter feito grande parte do sucesso que fez. Ao passo que a Valve reconheceu a importância dos jogos independentes e sabiamente aproveitou para lucrar com eles, a desenvolvedora lançou o Steam, software de distribuição digital de jogos. Hoje em dia ela distribui jogos independentes pelo mesmo software que te permite comprar uma cópia de Half-Life 2 online com apenas alguns cliques (e um número de cartão de crédito). Não é a toa que comumente podemos encontrar jogos que são comercializados com editores que permitem a modificação do jogo original.

Apesar da “cooperação” mencionada, o mais comum é vermos uma distinção bem clara da empresa grande para a independente. Do lado dos gigantes temos um recurso largamente utilizado: as seqüências. Sejam elas diretas ou “espirituais”, seqüências representam quase que lucro garantido para as grandes empresas. Seja porque pessoas querem ver o que vai acontecer com Kratos na sua segunda aventura ou porque se sentem tentados a novamente atropelar as pessoas pelas ruas de uma cidade.

A estratégia da seqüência limita de certa forma as grandes empresas ao caminho do jogo pré-establecido enquanto os independentes são associados a um caráter revolucionário. Essa associação resulta na falácia do “alternativo”. Porque geralmente temos mais contato com jogos comerciais, batizamos jogos independentes de alternativos, quando na realidade isso não é regra.

Jogos recomendados nessa matéria: