sábado, 29 de julho de 2006

Tudo Bem?

Enquanto assistia a sessão da tarde na televisão uma senhora por volta de seus sessenta anos é surpreendida por uma mensagem de plantão.

“Caros telespectadores, interrompemos o filme ‘Um Morto muito Louco 4’ para informar que meteoros estão vindo em direção à terra e vão colidir em apenas alguns minutos resultando no fim do mundo. Alguns abrigos já estão sendo organizados por toda a cidade, mas sinceramente achamos que de nada irá adiantar. Recomendamos que todas as pessoas aproveitem seus últimos minutos com calma e sem entrar em pânico.Obrigado.”

Logo após o aviso Andréia se levanta e vai à janela. Em questão de segundos o que parecia uma bola de gude vermelha cresceu e explodiu a algumas quadras. Fogo e caos começaram a se espalhar pela cidade e enquanto vários tremores afetavam a terra a senhora correu. Agarrou um pequeno livro de telefones e procurou um número. Logo em seguida discou discou rapidamente.

O telefone toca uma vez. Outra vez. Três. Hesitantemente a mulher vai colocando o telefone no gancho quando ouve uma voz. Coloca o receptor no ouvido:

-Alô? Alô? ALÔ? – uma voz ofegante e estridente

-Dolores?

-Quem é? – sons de explosões e gritos podem ser ouvidos ao fundo

-Sou eu Andréia. Tudo bem?

-Andréia...?

-Andréia da faculdade.

-Déiazinha! Reconheci sua voz agora. Como você ta?

-Ah eu to ótima e você amiga?

-Melhor não poderia estar. Meu casamento ta ótimo, eu moro com o homem que eu amo e meus filhos são lindos. E você?

-Eu estou be – de repente do outro lado da linha criança grita: “Mãe! Vamos sair daqui! Ta tudo pegando fogo! Mãããããããe” “Cala boca muleque, não vê que eu to falando no telefone?” O som da linha fica mais abafado, mas ainda é possível ouvir. “Arnaldo para de beber cerveja e pega o garoto chorão aqui! EU TO NO TELEFONE!” os gritos soam em um tom completamente histérico e estressado.

-Dolores?

-Oi Dédé meu amor, desculpa pela demora, o cachorro tava latindo aqui e eu tive que soltar ele do canil.

-Ah tudo bem. Eu só estava dizendo que comigo está tu-

-Mas você me ligou por que mesmo? Eu sei que a nossa amizade permanece firme como sempre, mas eu queria saber se você ta precisando de algo.

-Na verdade estou. Eu tava ligando pra te pedir de volta aquele brilhante de diamante que eu te emprestei pra ir na festa da empresa do seu marido.

-Qual?

-Aquele do coração em forma de diamante, com os detalhes folheados a ouro.

De repente em explosão ecoa do lado da linha de Andréia.

-Dédé? Que isso?

-Ah foi nada, a empregada derrubou a geladeira – Andréia observa o estrago do meteoro que caiu na sua rua pela janela. Janelas estraçalhadas, pessoas gritando e muito fogo.

-Eu acho que posso te devolver esse brilhante. Mas pode ser semana que vem?

-Olha não fica triste, mas é que eu queria esse brilhante agora. Ele era da minha mãe e significa muito pra mim.

-Pede um pro seu marido, ele é rico e pode te dar um muito mais bonito.

-Você sabe que eu sou viúva Dolores. – um tom sério permeia a ligação.

-Ah foi uma brincadeira. Então você quer ele hoje, né? Eu vou falar pro meu marido passar ai depois do trabalho. – “Num vem com papo pra cima de minha não Dolores! Você sabe que eu to desempregado!” “CALA BOCA REX! ”

-Desculpa, é o cachorro que ta com fome aqui.

-Então hoje ele deixa aqui? –Andréia testa a mentira de Dolores.

-Isso mesmo...lá pelas dezoito horas ele deve passar ai.

-Tudo b-

-Mas foi ótimo ouvir de você Dédé. Estou feliz que esteja tudo ótimo com você. Vamos sair um dia desses amiga.

Um estranho barulho de ligação chiada começa a surgir e cada vez ficando mais forte.

-Dolores? Dolores? Você não sabe meu endereço.

Os bipes de ligação cortada ecoam pela linha.

Andréia calmamente pega uma caneta vermelha e risca o nome de Dolores de uma lista de vários outros nomes já riscados.

-Nunca gostei daquela vaca.

4 comentários:

Anônimo disse...

O conto está interessante e possibilita o entretenimento. Uma das razôes para isso ocorrer é a dinâmica e a autenticidade das falas dos personagens. Prova disso é a sequinte passagem; "Eu estou be- de repente do outro lado da linha criança grita: Mãe! vamos sair daqui! Tá tudo pegando fogo! (...) os gritos soam em um tom completamente histérico e estressado." Neste trecho fica evidente que no conto "Tudo bem?" em alguns momentos o leitor pode vivenciar as experiências dos personagens e isso é fascinante.

Gustavo Rodrigues disse...

Além disso, concordando com o acima exposto, há um nítido apontamento do ato mesquinho. Mesmo em meio ao juízo final, a mulher se preocupa em reaver seus pertences e inflamar seu ódio pelos outros. Cômico e bizarro ao mesmo tempo.

Bem bacana mesmo.

Abraços

Anônimo disse...

O que eu achei mais interessante é imaginar que realmente deve haver gente assim no mundo; que no momento final de suas vidas ainda pensa nas COISAS! :)
Bjs da sister

Urania disse...

Olha, eu particularmente também não gostei da vaca, que é uma vaca enorme e estou torcendo para ela ir pro matadouro, que é pra onde todas as vacas vão no final. Roubar diamante da amiga? Tem que explodir messsssssmo. rs rs rs