A variedade de questionamentos feitos pelos humanos é gigantesca. Todos, em algum momento de suas vidas, se indagam e propõem perguntas para as quais não possuem respostas. Muitas pessoas eventualmente se conformam com a ausência de resposta, a maioria deixa o questionamento de lado e ocupa a mente com outras atividades; e poucos permanecem em contínua e eterna busca. Os que dão continuidade ao questionamento percebem uma hora ou outra que por mais que nunca cheguem a uma resposta, a busca em si já oferece mais experiência e resultados que a suposta resposta correta.
Uma dessas “questões sem resposta” é bastante conhecida. Provavelmente já foi perguntada por todo ser humano, embora em cada caso por um motivo diferente. Independente do porquê, a angustia é a mesma quando as pessoas se perguntam:
“Qual o propósito da minha existência? Qual meu objetivo na vida?”
O ciclo da vida humana se inicia com o nascimento do ser e termina com a sua morte. Todos partem de um mesmo ponto e terminam na mesma linha de chegada. Esses elementos são fáticos e até o momento nada provou que é possível ultrapassar essas limitações. Adotando o início e o fim como barreiras insuperáveis, o ser humano percebe que a problemática da sua indagação é referente ao “durante” da vida. O trajeto que ocorre entre o início e o fim é diferente para cada pessoa e aproveitado como cada um bem entender. Contudo, há uma preocupação muito forte com o resultado. Quando as pessoas se dão conta de que irão morrer de qualquer forma e percebem que irão atingir o mesmo fim que o de outras, toda a validade da vida é colocada em xeque. Surge uma contradição, pois o ser humano passa a estabelecer objetivos e metas a serem cumpridas em vida, já que não tem controle sobre o resultado final, que é a morte.
O filósofo Alan Watts, conhecido por suas interpretações da cultura oriental, compara a música com a vida em uma das suas gravações. A sociedade incentiva e educada o ser humano desde pequeno a seguir uma escada hierárquica. Uma jornada na qual são prometidos tesouros ao final, como a realização profissional, riquezas ou a própria felicidade. No entanto, chegando ao fim, as pessoas se sentem traídas, enganadas, porque não há uma sensação de satisfação. Não há felicidade ou uma verdadeira realização pessoal ao atingir aquele objetivo, conseguir aquele cargo ou completar aquela tese.
A estrutura da música esclarece isso. Em um mundo no qual todos estão imensamente preocupados com objetivos e resultados, a música por si só é uma resposta. Se a música se resumisse a objetivos, multidões iriam a um concerto para ver uma orquestra tocar uma nota final ou os melhores artistas seriam os que tocassem mais depressa. No entanto, não é isso que ocorre. Não ganha quem chegar ao final primeiro porque a música é apreciada pelo seu trajeto, o que ocorre do início ao fim. O diferencial está na melodia e como cada nota é tocada ao longo da apresentação. Em alguns casos é possível até desejar que a música não termine.
Não é isso, contudo, que ocorre em relação à vida diante da mentalidade que predomina na sociedade. As pessoas voltam sua atenção para as notas finais da vida, se esquecendo de dançar e aproveitar a música que toca entre o início e o fim.
A síndrome se exemplifica de maneira bem clara se observarmos o comportamento humano quanto a riquezas. A grande ambição de muitas pessoas, especialmente dentro da sociedade capitalista, é poder usufruir de dinheiro. Jovens sonham em viajar, comprar e consumir. Contudo, uma vez que estes descobrem que para fazer tudo isso é necessário ter dinheiro, seus objetivos mudam e passam a ser “quero me tornar rico”. O desejo de obter riquezas torna-se importante por inicialmente servir como forma de se chegar ao usufruto das mesmas. Embora ocorra de maneira bem discreta, há uma mudança de pólo: o que antes era um desejo de apreciar a música, a vida (mesmo que questionável), se torna em uma obsessão por chegar ao final e ouvir a última nota.
Com o passar dos anos, essas pessoas se dedicam diariamente à obtenção de riquezas. Trabalham de sol a sol, eventualmente acumulando dinheiro, até atingirem um ponto paradoxal. Em dado momento, o ser humano terá as riquezas que almeja, em razão do seu suor, mas não terá o tempo ou a oportunidade para fazer uso dos frutos. O método escolhido para “aproveitar a vida” é a causa do aprisionamento da mesma.
A própria sociedade recompensa a dedicação do ser humano à mesma com o aprisionamento. Uma vez envolvido de tamanha forma com o seu trabalho e os valores sócio-culturais, o humano, mesmo que tenha riquezas acumuladas, não terá tempo ou condição física para fazer valer seus anos de esforço. Seja em razão da rotina frenética de valor ou dos problemas de saúde decorrentes de estresse. Dessa forma, o homem é fadado ao fracasso ou à ilusão de vencer um obstáculo criado por si próprio.
O ser humano começa sua vida condenado à liberdade. Lançado no mundo sem um manual de instruções, sem explicações quanto à sua origem, ao que deve fazer aqui ou a finalidade da sua existência. Sem direcionamento, ele acaba por criar objetivos próprios que se contradizem e geram obstáculos ao longo do seu trajeto. Por fim, morre sem nunca ter tido uma chance de aproveitar a vida, apreciar a melodia da música. Pois nasceu livre, mas em razão da obsessão pela nota final optou por se tornar um prisioneiro envolto por correntes sociais na cela do capitalismo.
Não há manual de instruções para o ser humano e certamente não há gabarito para a vida. O decurso do tempo é inevitável e todos nós temos um ponto de início e outro de término. Como iremos dançar - se é que iremos - cabe a cada um decidir. Os objetivos são pessoais e cabe ao próprio ser humano estabelecê-los, assim como determinar o quanto está sendo influenciado. Podendo assim optar por trabalhar 12 horas por dia, ter cabelos brancos aos trinta anos, mas possuir uma cama confortável para dormir; ou por trabalhar apenas 6 horas, manter seus cabelos e sorriso intactos, mas não ter onde dormir. As possibilidades de combinações são infinitas e de maneira alguma esse rol é exaustivo, apenas exemplificativo.
Ainda assim, independente do caminho escolhido, a angústia permanece a mesma. Para alguns, maior, porque apesar de quererem dançar, acham que o poderão fazer durante os últimos minutos da música, quando na prática nunca terão a oportunidade. Outros sentem uma angústia (mesmo que) menor porque sabem que optaram por dançar, mas apesar de não se arrependerem do caminho pelo qual optaram, sabem que é impossível ter certeza de que aquela foi escolha certa.
Afinal, até onde a lógica nos provou, essa música, conhecida como “vida”, só toca uma vez.